sexta-feira, 27 de abril de 2012

Sobre propaganda, manipulação e cinema: “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl




A ideologia nazista pode não ter saído vitoriosa da Segunda Grande Guerra, mas, indubitavelmente, fez o possível para ganhar todas as batalhas no universo da cinematografia. Durante os doze anos do regime nazista alemão (1933-1945), o cinema foi o setor cultural/entretenimento que mais recebeu investimentos, tendo sido usado não apenas com a boa vontade de inserir a nova arte do contexto da sociedade alemã, mas como ferramenta ativa de batalha ideológica e manipulação. Foram cerca de mil trezentos e cinquenta longas-metragens que, de alguma forma, sutil ou descaradamente, exaltavam o nazismo, endeusavam o líder Hitler, ou pintavam americanos, comunistas e judeus como os grandes vilãos da humanidade, através de uma técnica cinematográfica exageradamente maniqueísta.

Grande parte das películas produzidas tratava-se do gênero ficção, embora nutrissem o intuito de fazer o público acreditar que seus contextos tinham embasamentos verídicos e atuais. Contudo, alguns filmes tratavam-se de situações que, de fato, aconteceram, enquadrando-se no gênero “documentário”. “O Triunfo da Vontade” (Triumph des Willens, 1935) é um filme alemão dirigido pela cineasta Leni Riefenstahl. O filme foi lançado em março de 1935, e é de um registro cinematográfico do 6º Congresso do Partido Nazista, ocorrido na cidade de Norumberg em 1934.

Embora, por uma questão de vergonha nacional, o filme tenha sido banido na Alemanha, assim como sua ideologia representada ainda seja criticada e tida como desrespeitosa aos realizadores da Sétima Arte, tanto a obra quanto a sua diretora hoje são reconhecidas como de peso no contexto cinematográfico, sendo pioneiras em várias técnicas e, sobretudo, no cinema de propaganda. Os nazistas foram, indiscutivelmente, percussores no que seria uma ferramenta utilizada com cada vez mais recorrência até os dias atuais.

Desde o início do filme, a figura do Füher (líder) Adolf Hitler é apresentada (por que não dizer “vendida”?) como o “salvador”. Uma espécie de “messias” que traria segurança, paz, liberdade, e recuperaria o espírito de autoestima e nacionalidade daquele povo. Hitler, em sua autobiografia Minha Luta (Mein Kampf), já provava ser um mestre na arte da manipulação quando propõe que a propaganda deve apelar para a emoção das pessoas, sendo elaborada de forma a levar em conta os diferentes limites de assimilação, compreensão e memória. Segundo ele, toda propaganda deveria ser elaborada levando em conta pouquíssimos pontos, repetidos de forma incansável, até que todos os espectadores fossem capazes de assimilar a mensagem. Tal mensagem, contudo, deveria “atingir o coração” das massas, de forma a representar seus sentimentos. A imagem deveria prevalecer sobre a explicação e a sensibilidade sobre o racional. É exatamente isso que vemos em “O Triunfo da Vontade”.

Símbolos nazistas, como a suástica e a águia, são abordados visualmente de forma frequente, porém sutil, como mais uma estratégia para embutir a ideologia ao público. O número de pessoas presentes no congresso, recorrentemente filmadas através de câmera aérea, incita a ideia de popularidade de Hitler. Ao mesmo tempo, a diretora também recorre para cenas em close, enfatizando as expressões das pessoas em ocasião do contato com o Füher, o que nos leva a perceber a sua imagem como “adorado”.

O filme também tem a intenção de captar rapazes dispostos a lutar ao lado da juventude hitlerista. Os jovens e alegres soldados são constantemente apresentados, ressaltando a ideia de companheirismo e fraternidade. Trata-se de um exército que trabalha feliz, unido e honrado em prol do seu país.

A trilha sonora também é de importância fundamental para o sucesso do filme. Trata-se de uma importante ferramenta para o estímulo emocional da trama, contribuindo para intensificar o conteúdo dramático e reforçar o que era apresentado pelas imagens e discursos. Frequentemente, a música é casada com imagens da cidade permeada por bandeiras da suástica, dando a entender que aquele local está “protegido” pela presença do Partido Nazista.

As técnicas cinematográficas utilizadas por Leni Riefenstahl encabeçaram o poderio de manipulação da película. Dentre elas, cita-se a opção pelo não uso de offs, ou seja, não há uma narração do Congresso por trás das imagens. O documentário é gravado em terceira pessoa, sem que transpareça que o personagem sabe que está sendo filmado. Isso dá a impressão de maior credibilidade às imagens e alcança mais facilmente o intuito de Hitler: atingir a emoção do público.

O líder nazista, bem como seus demais companheiros, é filmado em primeiro plano e close na quase totalidade das cenas, enfatizando suas expressões e aumentando a percepção de pessoalidade e intimidade. Para apresentar Hitler, sobretudo em seus discursos, Leni também faz uso do ângulo contra plongée (de baixo para cima), que, em fotografia, transmite a ideia de superioridade e sucesso.

A estética e os apelos dignos de mestre em uma arte ainda em processo de aceitação, como era o cinema dos anos 30, fazem de “O Triunfo da Vontade” o mais importante filme de propaganda nazista da história e o enquadram em várias listas como obrigatório para qualquer um que deseje compreender mais sobre a história do cinema e, também, do regime liderado por Hitler. Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista, afirmou que “No instante em que a propaganda se torna consciente, ela é ineficaz”. Ora, e quem de nós condenaria Hitler ou seu regime apenas ao assistir a obra de arte manipulativa que é “O Triunfo da Vontade”? Muitos, sem qualquer embasamento teórico-histórico sobre o momento em que a Alemanha e o mundo viviam, poderiam até mesmo concordar e aderir aos conceitos proferidos pelo partido nazista, personificado na figura imponente e messiânica de Adolf Hitler.

Texto por Andressa Vieira

Bibliografia consultada:
PEREIRA, Wagner Pinheiro. O triunfo do Reich de Mil Anos: cinema e propaganda política na Alemanha nazista (1933-1945). In: CAPELATO, M. H.; MORETTIN, E.; NAPOLITANO, M.; SALIBA, E. T. História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. 2 ed. São Paulo: Alameda, 2011


Baixe AQUI o slide da apresentação sobre o texto e o filme "O Triunfo da Vontade"

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